10/10/2010

Efeito Maizena

Proust há de desculpar-me, mas um mingau de Maizena pode ter o mesmo efeito de elegantes madalenas (ou madeleine, já que é francês). Sim, Maizena... tão desprovida de charme e glamour, também é uma poderosa máquina do tempo, capaz de carregar-me por anos em uma única colherada. Sentimentos despertos, outra vez estive na infância. O mesmo ritual das noites tranqüilas e seguras, que precedia o momento de ir para cama. Ainda agora, o mesmo sentimento, a mesma tranqüilidade, o mesmo aconchego, a mesma segurança. Tão vívido e real que por um instante abri os olhos e desconheci o lugar em que estava, como se estivesse no cenário errado.

Passado esse momento, aterrissei no presente e me pus a pensar no quanto o mistério das lembranças me fascina. Qual seria o mecanismo? Como fatos e acontecimentos, sentimentos, podem estar ligados a cheiros, gostos e sons? Em que momento fazemos essa associação? E ainda, como acontecimentos tão longínquos no tempo podem ter efeito sobre nós, nos fazer sorrir ou chorar, trazer alegria ou tristeza como se tudo tivesse sido no último minuto? E ainda, qual seria o critério de seletividade? Por que nos lembramos de algumas coisas enquanto outras parecem ter sido definitivamente deletadas? Por que algumas requerem esforço e outras, às vezes nem tão boas, saltam para a superfície?

Por outro lado, quanto de real existe nas lembranças? Tudo aconteceu tal e qual nos lembramos ou tal e qual gostaríamos que tivesse sido? Estaríamos sujeitos a interferências? Lembraríamos as lembranças de outros? Como duas pessoas podem ter lembranças tão diferentes dum mesmo acontecimento?

Bom, finalmente acho que nada disso importa de verdade. São só divagações. Algumas lembranças se alojam na mente, outras no coração.  Umas nos trazem um sorriso abobalhado, outras um olhar marejado. Umas tem o sono leve, outras hibernam por todas as estações. Algumas acordam contentes, outras magoadas e tristes.

Não importa. Disso tudo ficam duas coisas, duas certezas: a de que tudo, absolutamente tudo, seja bom ou ruim passa. Passa e indubitalvelmente transforma-se em lembrança. E de que eu quero que minhas lembranças futuras sejam ainda melhores do que as minhas lembranças presentes e embora não estejamos no controle absoluto da situação, sempre podemos fazer nosso melhor.

“Chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fizermos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso justamente já ter lembranças."
Il Mestiere di Vivere – Cesare Pavese